terça-feira, 4 de novembro de 2014

Manequim

Autor: Victor Follador (http://www.ditadorinvisivel.com/)



Quando Matias era criança costumava passar em frente a uma loja de roupas todos os dias enquanto percorria o trajeto da escola para a casa.
Aquele era um local agradável onde o menino observava as belas moças que adentravam o recinto e eram recebidas com cortesia e discrição pela dona do estabelecimento. Porém o que sempre fascinou o garoto eram os manequins femininos.
Ele não sabia dizer o motivo de tal gosto e admiração, mas aqueles corpos estáticos atrás da vitrine eram um deleite para sua imaginação.
Enquanto o jovem fitava suas amigas de plástico, um velho se aproximou da vitrine junto ao seu sobrinho ; - O contraste é tão cruel, beleza sem personalidade, sem profundidade, é como uma metáfora. O sobrinho falou reflexivo - Talvez a personalidade de um manequim se restrinja à aparência.
- Conheço muitas mulheres assim. – completou o senhor rindo e se afastando com seu acompanhante.
O pequeno Matias estava confuso com a conversa que escutou, até que sua atenção voltou-se para um manequim de vestido azul marinho. Jamais tivera visto um de tanta beleza e perfeição, e isto o deixou aturdido.
- É esse! – Disse uma mulher de meia idade enquanto apontava para o vestido azul.
Com prontidão a dona da loja se aproximou do manequim e com muito cuidado despiu o boneco dos pés à cabeça em frente ao garoto.
Matias ficou atônito, não conseguia entender o motivo de tal assombro ter se apossado de sua alma, afinal estava apenas olhando um boneco. Mas aquele formato era tão feminino, tão artístico. O garoto contemplava a nudez, o olhar vazio, a beleza tão artificial, virginal e singela de mero objeto inanimado.
Aquele ser inexistente havia o seduzido, porém era apenas um manequim e nada mais. Uma peça de exposição que as mulheres olhavam e se imaginavam no lugar, porém não para Matias. Ele acreditava ter descoberto algo, e em sua mente limitada, imaginou o toque frio de alguém que não tem calor, que não tem sangue correndo nas veias, alguém sem alma.
Anos se passaram, e de um garoto confuso Matias tornou-se um homem de grande intelecto e dedicado às artes e aos negócios. Houvera se arriscado em muitas empreitadas e engajou-se em grandes projetos que infelizmente não alavancaram por falta de capital. Até que então conheceu uma mulher por intermédio de um sócio.
Esta mulher chamava-se Clara; Portadora de uma imensurável e rara beleza, aparência artificial e modos de agir pouco inteligente. Dois meses depois Matias e Clara noivaram.
Matias não se sentia muito a vontade com Clara, ele era objetivo, profissional, e tinha muitas qualidades acadêmicas. Já sua esposa era obtusa, ausente de pensamento, uma mulher vaga, sem personalidade, totalmente submissa e dependente, isto o irritava profundamente.
Todos os assuntos que Clara abordava soavam triviais para Matias, restando-lhe o silêncio como única resposta. Ele não conseguia dialogar com sua parceira, havia um abismo entre o intelecto de ambos. - O que me atrai tanto nela? – questionava Matias á si mesmo enquanto nutria suas duvidas misturadas com um crescente ódio – Ela é artificial! Sinto-me conversando com a parede ou com um manequim! – “Manequim”. Por que esta palavra tivera voltado depois de tantos anos, brotava de seu subconsciente para assombrá-lo? Aquela mulher de certa maneira exercia uma estranha e silenciosa persuasão. Ela era tão irreal, fria, sem graça, sem carisma. Mesmo assim estavam inexplicavelmente juntos. Clara era como uma boneca, bela por fora e vazia por dentro. Ou seria este apenas o que ela gostaria que ele pensasse.
De qualquer maneira tentou afastar as dúvidas acerca da natureza psicológica de sua parceira, e no fundo de sua alma temia sobre o que encontraria quando sua noiva revelasse quem realmente era.
Durante a noite Matias dirigiu por longínqua estrada até uma casa remota do interior, local onde residia Clara. Estacionou ao lado do carro da noiva, que após ouvir o motor roncando saiu apressada de casa e correu para recebê-lo com paixão. O vestido azul marinho esvoaçava pelo vento noturno, sua silhueta entrava em contraste com a imponente lua erguida, trazendo um aspecto radiante à fisionomia da mulher, um lado que Matias jamais tivera visto. Aquilo tudo parecia um sonho inconcebível.
Ambos conversaram pela noite afora, e o cheiro agradável de perfume no ar era uma constante. Clara retirou os sapatos e em seguida despiu-se do vestido azul marinho, revelando a nudez ao amado. Que paralisado pela visão não conseguia agir.
Um turbilhão de pensamentos açoitavam Matias enquanto fantasmas de um passado rondava-lhe cabeça violentamente, insistindo que fossem trazidos de volta.
A nudez despertava um sentimento nostálgico, inexplicável e assustador. Ele sentia as curvas de Clara em suas mãos, como se estudasse sua anatomia detalhadamente. Entendera de uma vez o porquê gostava dela. Aquele corpo tão artificial o fazia lembrar-se de sua infância, lembrava-o do manequim frio e inexpressivo, e ainda assim tão artístico. Tão vulgar. Tão patético.
- Não vai começar? – falou Clara em tom desafiador.
- Sim. Eu irei – respondeu Matias sem empolgação – Irei terminar.

Era madrugada quando Matias voltou para casa. Ele estava diferente, tomado de uma nova alegria e vigor, jamais tivera se sentido tão bem. Lembrou-se de Clara e do amor que agora sentia por ela.
Ligeiramente seu coração foi tomado por uma dolorosa saudade, não conseguia mais viver com a ausência da amada. Ela o havia enfeitiçado como jaz aconteceu em sua infância. Clara, e toda aquela estupidez e boçalidade nada eram alem de armadilhas para um homem obcecado pela imagem de uma silhueta perfeita e mentirosa.
Então Matias dispensou a névoa de sua lembrança na medida em que se movia mecanicamente até o carro. Seus passos tornavam-se imprecisos, doentios, lentos, pesados.
Abriu sutilmente o porta-malas, espiando o conteúdo interno com um sorriso na face. Sentiu alivio ao ver seu trunfo, seu premio que estava lá aguardando por ele. Matias contemplou mais uma vez aquele olhar vazio, obtuso, submisso e sem vida. Apreciou mais uma vez aquela beleza artificial, o corpo frio, nu e inanimado de um “manequim”.


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